sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A casa vazia, o cheiro a betadine no ar, misturado com o cheiro férreo a sangue.
Ela senta-se, muito quieta, a observar as gotas a descerem pela pele.
Depois, enfia-se na banheira e fica a ver a água a cair. E pensa, durante muito tempo, que se sente melhor. Sim, sente-se melhor, naquele momento.
Mas tem a certeza absoluta de que, no dia seguinte, vai começar tudo outra vez.
E, olha, ela fica triste e pensa que, no final, toda a gente vai acabar por desaparecer, numa nuvem de ilusão.
Porque ninguém gosta de brincar com brinquedos partidos, ninguém se incomoda a colocar-lhe uma ligadura.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Sol (2)

E, olha, deixa-me contar como me sinto. Deixa-me dizer-te como é difícil acordar todas as manhãs, levantar-me e vestir-me, como é algo complexo e irracional o medo que me invade e o sentimento sem nome que se enrosca em mim.
E, olha, depois deixa-me pensar naqueles dias em que trocamos ideias absurdas e comentários fora de contexto; deixa-me pensar naquelas situações em que colocas música a tocar e eu me deixo absorver, de olhos fechados; deixa-me pensar nos momentos em que leio e me sinto, durante um pouco, em paz.
E, olha, por fim, deixa-me pensar na forma como te preocupas comigo. E não é justo para ninguém que eu não me esforce, que fique na cama, que não me levante. Por isso, olha, dá-me a mão e leva-me contigo.
E obrigada, meu amigo.


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012



E, olha, gosto de fechar os olhos durante um bocadinho, quando te despedes de mim porque impede-me de pensar que só volto a estar acompanhada daqui a dois dias.
E permite-me guardar em segredo as lágrimas, porque não quero que fiques triste, sabes? E acho que isso é, verdadeiramente, a única coisa que me impede de te pedir que fiques comigo mais um bocadinho e que me oiças chorar.
Boa noite, meu amigo.

domingo, 15 de janeiro de 2012



E perguntaram-me se estava tudo bem. E disseram-me para ter calma com testes, notas, com a minha vida que ainda não vivi e que, por vezes, nem tenho vontade de viver. E pegaram-me nas mãos, e eu temi que conseguissem sentir feridas por sarar, não só na pele mas no espírito.
Mas, olha, a verdade é que não sentiram, não se aperceberam. E eu aceno com a cabeça, faço-me mais presente e finjo apreciar as conversas que se desenrolam à minha frente e digo:
Estou bem.
E já repito isto há tanto tempo que, às vezes, me parece que talvez possa ser verdade. E depois, tão depressa como o vento passa a briza, volto a recolher-me para o mais fundo de mim e penso não é verdade. Não estou bem. Mas não sei falar sobre isso. Não QUERO falar sobre isso.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Sol (1)


Olha bem para mim, talvez consigas ver como me sinto quando brincas com coisas sérias. Olha com toda a tua atenção porque, às vezes, esqueceste de olhar, esqueceste e magoas.
Porque falas de coisas que devias manter caladas, porque dizes coisas da boca para fora que ferem. E olha, acredita em mim, eu sei como ferem as palavras, eu sei muito bem.
Mas, sabes? Não consigo ficar zangada contigo, porque, embora não saibas o que se passa, preocupaste, e apesar de tudo, confio em ti.
Olha, se calhar devia dizer-te como me sinto, devia olhar-te nos olhos e dizer-te: "Abraça-me, hoje não me sinto bem". Mas não sou capaz, e fico-me por te ouvir a brincar com coisas sérias e pensar, por entre os risos que provocas em mim que lá no fundo, bem no fundo, magoa um bocadinho. Magoa sempre um bocadinho. Mas gosto muito de ti, meu amigo. Por isso, não faz mal. Eu esqueço, eu ignoro. Já sei como se faz.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Às vezes, impressiono-me com a forma como te saem as palavras, de tal modo que pareces preocupado comigo, de tal modo que me fazes sorrir. Olha, Sol, não estou habituada, mas afastas as lágrimas durante um bocadinho, e já é suficiente.
Olha, parece-me estranho como reparas em mim mais do que eu mesma, como vês, mesmo que não tas mostre, as minha cicatrizes e me perguntas porquê; como me pegas no casaco para que não apanhe frio; como me fazes rir, com vontade;

como me abraças quando preciso, mesmo que eu mesma não o admita; como me dizes "vê se dormes bem".
Obrigada, Sol. Obrigada mesmo.
Boa noite, meu amigo.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

"Essa sim, é a Catarina que eu gosto de ver. Eras tão sorridente! Por isso é que estou sempre a dizer, sorri, rapariga! Não é?"
Ó avô desculpa. Desculpa-me por não ser capaz de mentir melhor, de sorrir melhor, por não ser novamente aquela criança pequena que era incapaz de ser humilde e que estendia os braços para as prendas de natal e fazia de conta que tocava violino da pior forma possível. Desculpa, avô. Eu queria ser essa menina, sabes? Mas é tão difiícil, quando choro até adormecer e sinto que tudo desaba à minha volta! Desculpa, avôzinho... Desculpa.
" Pois é, avô. Tens toda a razão!" - e ela sorri, consciente de que todos sabem que está algo de errado com o sorriso dela, mas que é boa a fingir, e que amanhã já ninguém se lembrará de nada.
E assim começa mais um ano...