terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Caderno de Pensamentos (3)

Carta para a Nuvem Negra:
Não sei se comece por dizer olá. Aliás, nem sei muito bem como te falar.
Tenho estado aqui a pensar, desde há algum tempo atrás, que falar contigo não é bem a mesma coisa que falar sozinha, mas também não é igual a falar comigo mesma.
Como explicar...

... Bem, a verdade é que devo escrever-te, e porquê já o sabes. Não negues que te encontras escondida bem fundo de mim, procurando oportunidades de me encheres de melancolia e nostalgia de nem eu sei bem o quê, introduzindo-te por entre as falhas do meus sonhos e pelo negro da paisagem lá fora, através da chama das velas quentes que perfumam o quarto.
Não negues que me chamas, de voz doce e atraente, a pensar em coisas que se calhar estavam melhor deixadas a apodrecer e a morrer num canto escuro e poeirento.

E, no entanto, depois de todo o combate, depois de toda a estupidez de desejar desfazer-me das minhas entranhas para que possas desaparecer envolta em fumos brancos e negros, tenho algo a dizer-te. Sim, a ti que controlaste muitas das minhas lágrimas, que as provocavas com cócegas que ainda doem e cheiram a restos putrefactos de mim.

Não te odeio.
Não desejo que te vás embora.
Entendo, finalmente, como se iluminada por dentro, quem és, e porque existes.

Sempre me debati acerca da forma de matar as lascivas criaturas demoníacas que julgava surgirem por entre as cortinas do eu, de como estrangular e sangrar criaturas que não morrem; de como enfrentar devaneios provocados por um relâmpago de clarividência numa noite escura, de gritos apertados na garganta e de lágrimas quentes na almofada.
Finalmente entendi, com um assomo de claridade no meio do frio e da escuridão da noite, que elas não morrem porque são parte de mim. Tu, Nuvem Negra de teu nome - nome esse que fui eu que to dei, de forma a fazer parecer que não sou eu que decido, refugiando-me num outrem que me "força" a fazer algo, só porque não quero admitir que, nos meus desejos mais escondidos, sou eu mesma que me forço - és eu. Não um pedaço que partiu e se modificou por entre faces de lua, mas uma cratera do meu ser.

Pediram-me que te identificasse e trouxesse à luz do dia quem és e de que forma atentas contra mim.
Mas não posso mentir-te, porque és parte de mim e, por muito que tente convencer-me, não consigo enganar-me.
Tu és eu. Eu sou tu. Cada uma face de lua, que governa no céu negro.
Apenas através de mim ajo. E tu és simplesmente uma metáfora minha. Isto porque é-me difícil entender a necessidade de demonstrar o meu eu.
Inventei-te, e agora de mim és parte, como o meu eu mais secreto.

Chiu... Não contes a ninguém.
Não me despeço, pois não vale a pena. Enquanto eu continuar eu, estarás sempre aí.
E, olha... É bom saber isso.
Finalmente aceito.

Lua Nova.

2 comentários:

  1. cada pequena palavra vinda de ti me faz sorrir um bocadinho. obrigada <3

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  2. leio isto. sinto alguém por trás de mim, mãos pousadas nos meus ombros. é estranho. volto a ler para decifrar.

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