Por vezes, até os de duas pernas marcam território pelas esquinas do centro da cidade, onde há vida muito depois da uma da manhã.
De cigarro preso entre os dedos, contemplar a fauna através do nevoeiro à frente dos meus olhos.
Nada
disto era novo, nada disto me proporcionava mais do que o fugaz deleite de
observar carros a parar nas luzes vermelhas de um semáforo, soltando roncos de
amante satisfeito, no silêncio.
Homens
na noite, cambaleando de volta a casa, para o abraço amargo do sofá. Mulheres
"alegres", de sorriso amarelado pela comida que não escovaram bem dos
dentes. Miúdas, talvez da minha idade, a gemerem presas na ponta da língua de
um rapaz, cujas mãos tremem de antecipação.
Gostava
de recordar tudo isto antes de adormecer, revivendo por detrás das pálpebras a
vida que há no mundo, no qual sou apenas turista. O único prazer das apressadas
saídas da casa dele, era simplesmente observar aqueles que viviam.
E
perguntar-me se me viam, criatura invisível de sapatos de cordão nas mãos, de
maquilhagem borratada e de marcas de dentes no pescoço.
A vida da cidade
escapava-me por entre os dedos. No meu cérebro adormecido de mulher-criança,
tudo se começava a confundir.Enrolei-me, mãos presas na almofada, dormindo em cima do material acolchoado de que são feitos os sonhos.