sábado, 27 de dezembro de 2014

Cai o pano

Enregela-se o ar pelas portadas da janela, abertas de par em par. Congelam-se os pés, dentro da casota onde dormem.
Inspira, expira
o mundo morre em volta.

Que nada mais se erga, e se prove errado o compromisso louco da perfeição. Que nada mais levante o dedo de sentida ilusão de fósforo na noite e estrelas cadentes.

Nada. Exceto ela e o
inspiro, expiro
Nada. Exceto o pano.

Pequena, até o palco finda
                                                   até o público evacua
                                                                                          pequena. o pano cai.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Quando amas, não precisas de pensar nisso

Imagino-a de lábios cerrados, concentração intensa nas palavras que demora quinze minutos a escrever. Não sabe o que quer ouvir, mas pergunta-mo, mesmo assim.
"Como sabes que amas alguém?"

E eu penso que se me congela a língua, doem-me os dedos de sonhar sequer que devo responder-lhe. Porque vivo intensidades equivalentes ao cheiro leve de maresia, numa tarde de verão a findar, e como flocos de nuvens me escapa o raciocínio lógico de como explicar que distinguir felicidades é uma eternidade num dia.

Na verdade, pergunto-me mesmo se sei responder. Como pôr em palavras radiâncias da felicidade de olhar nos olhos que pertencem a outrem;
como explico, de par em par, os seus sorrisos no meu peito
                                              as viagens feitas desenhos de uma ponta da casa à outra, nos rodopios do chá acabado de aquecer. A vida passa devagar
tudo ao mesmo tempo
                                                               na tentativa de não deixar passar nenhum traço dele.
Turbilhão das emoções de um peito que bate, bate forte, contra o meu, sinceros segundos de movimentos exploratórios de alguém que não me deixa, a quem respiro no desejo silencioso de o ter.

Como professar, de forma tão profana, a radiância dos meus olhos ao ver-me de mãos dadas, respirando pesadamente ao fim de um dia de estar longe, voltando a amá-lo.
Quantas impossibilidades tem a vida, se não mais de mil formas de expressar que se quer. Não se percebe que um beijo simboliza promessas do fim do dia.

são as que mais gosto.

Não te sei explicar, pois, como é amá-lo, a ele, daqui do meu eu.
Como sabes que amas alguém?
Quando amas, não precisas de pensar nisso.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Retrocedem as marés, deglutindo-se por poderes maiores de quem governa os grãos de areia.
Passam mil vezes mil e uma vezes os metros, em ambas as direções distorcidas de uma realidade de alguma forma paralela, onde existo.
Não preciso de dizer quem sou, algodão desnudo de uma essência muito própria, cheiro a perfume de Sr. de Matosinhos e das pipocas de corantes rosados e amarelados, numa mistura regurgitada de quem não sabe ao certo a qual dos dois pertence.


Digo que vejo os metros que passam, e os autocarros que se encontram num ponto só. Vejo a vida, que vive aos pedaços sem mim, simples viajante do tempo, real senhora do nada, que sente tudo da maneira mais desastrosa possível. Amalgama de fios confusos, cujo único sonho de lucidez mora lá longe, perto demais de um pequeno coração.

Afirmo, pois todos os dias a vejo, que a rapariga vestida de negro observa, de guarda-chuva em punho, aparando as neves por entre cada raio de sol.

Não há momento de sossego que salve de cada pensamento onde se intromete, nariguda desenhada com a função principal de me perguntar porquê.

Falem então, entre vocês, pois eu sinto os pássaros, as suas asas em horas a escorrer de um relógio que nunca para e nunca se move, o toque de alguém

diferente de todo o mundo ao redor
que cria casulos em volta dos nevoeiros da alma, e estende a mão a devaneios estupidificados de uma miúda que se julga crescida.
A mulher de negro ri, em descrença. Mas já nada tem a ver comigo, que me perco
por entre os caminhos que começam e acabam nos teus olhos.

Amem-se os pássaros e as asas que os levam em volta do mundo.
E a ti, e ao sorriso que paira entre duas almas. 


quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Explodem-se-me As Veias

Fumo os pulmões, bem cá de dentro, num vórtice de plena campanha anti-tabaco. Espirais de vozes cantadas, por entre raivas absurdas.
Não há ar puro em mim, que me conspurco por entre peles mordidas de lábios carentes.

A desejar, confusa, perder-me em ti, para não ter de fugir de quem sou, escapando-me aos pedaços viajantes de gemidos profundos.
Vergonha de querer apagar-me em ti pelo infinito mais poderoso que a realidade. Crescendo de doenças por entre a vista cansada, pintarolas em todo o lado

explodem-se-me as veias

                                                                           cada qual mais negra que a anterior, num santuário de ódio acumulado de ser eu e nunca o reflexo contrário.
Não se ganha experiência por evacuar os sentidos.

O que arde cura. O que não te mata, faz-te forte.
Se tudo o que é dito e desdito sem pensar fosse banido deste mundo, todos iriam cair mortos.


Viva a parvoeira, então. E deixem a raiva sair.

Hoje, golpeio almofadas em vez de te marcar a carne com anseios desesperados de (deixar de) ser eu, apenas por um momento.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Quando se sabiam de braço dado, por entre as camadas de escuridão que crescem dos lençóis, era perfeita a sintonia de respirar pelos peitos um do outro.
Calma sinfonia de perpétuos sorrisos, escondidas ao canto do olho as lágrimas do terminar.

Observo-te com mil desejos sôfregos de te apreender por inteiro, nesse teu quadrado espaçoso de mundo, que se traduz no ambiente dos nossos dias.

Passa que passa o tempo, tiquetaqueando o relógio. É meia-noite outra vez, meias noites da nossa vida.

Parece que nos encontramos sempre às meias-noites do dia depois do seguinte.
                                                                                                                                                          Passa que passa o passado, presente e futuro já nas nossas mãos.
Agarramos poderosamente tudo o que nos pertence, mãos tacteando carnes e dentes procurando osso onde ferrar, sempre amantes em delírio de viver como queremos

existência é só ser um cometa pela noite fora, rastos apagados de criar paixão através dos corpos, amando através de lavar a loiça.

Vejo-te chegar perto. Não te demores.
A casa só é nossa até ao amanhecer.

sábado, 28 de junho de 2014

Tempo de Café

Tempo de café, e os teus lábios não estão a beijar os meus.
Simulo em almofadas as conversas que temos, enquanto degustamos uma pequena pausa da vida.

Quantos beijos te roubei numa escada, só para de novo os entregares a mim?

Caminho por entre espelhos em segundos, mas não estás.
Faz sol lá fora e chove-me por dentro

Sabes que amo a chuva, não sabes?

Tempo de café, e cada um está do seu lado.
Anseios de ser mais forte do que o que obriga a silenciar a mente e despertar o cérebro.
Palmadas mentais, de ser fraca por querer apenas um abraço teu.
Cheiras bem. Sei disso, porque consigo sentir-te, perfumado, em mim.

Tempo de café e eu aqui, procurando com vontades de desistir ser mais forte, saber mais, rachar ao meio o crânio e deglutir o papel que me rodeia.
Sabes que amo papel, não sabes?

Tempo de café.
Não estou aí, mas beija-me.

Sabes que te amo. Não sabes?

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Suavidades delicadas de adormecer em relvados de fantasia. Quantas vezes
às escuras
                                                                                                                me acordam, abanando-me com força,
deixa-te ir
        transporte angelical por entre veias envenenadas e pulmões negros, que voltam a bater em desespero
busca canibalesca e desorganizada de ar
melancólico de perfurar casulos resguardados.

Matam-me, afirmando que vivo num mundo que não é real.
Asas caem das borboletas, o fumo das chaminés quentes é sugado para dentro, cada vez mais para dentro. Adoece-me.

E depois as janelas abrem, talvez respiração boca-a-boca
leva de mim as nostalgias do incompleto
                                                                                       me transforme de novo em alguém.
Mordisco com os dentes as peles dos dedos, no anseio de me acalmar com o que rodopia em mim. Quantas coisas saber de cor que não sei se soube alguma vez, mas que perceciono sem barreiras.

Respiro fundo. Nas recordações, é onde me perco, porque são elas
e a tua voz
que me trazem ao de cima.

"Make me proud"
I will. Always.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Suavemente Emergem As Luzes Nos Passeios

Suavemente emergem as luzes nos passeios, transparentes das janelas. Não se ouvem os carros passar, noite que é noite, é o silêncio de dois corpos barulhentos.
Chão lá em baixo, paraíso lá de cima,
espalham-se os tecidos caídos em desuso da alma
                                                       aglomerado de sensações nossas, mas únicas.
Por entre cada suspiro mergulhado em cascatas de riso melódico, não sou mais eu, mas tão minha.
Complica-se então esta questão do pertencer,
                                                                   porque sou tua
                                                                    na verdade de ninguém sou, nem de mim, apenas perdida por entre o aroma perfumado que é teu e o cheiro adocicado das almofadas.
O meu nome é teu, tal como o teu é dito por entre galáxias do pensamento, em forma de sussurro ou suspiro acalorado do ser eu.
Movimentos calorosos de alegria em forma de ser esquisito, como se união de milhões de células pequeninas formassem um conjunto de dois que são um.

Suavemente, apagam-se as luzes nos passeios, transparentes das janelas.
E fico a ver-te, apagado por entre lençóis que murmuram intrigados, aos quais não respondo.
Não há palavras para cada traço teu, 

deleitam-se todos os meus sentidos, com a tua imagem
                                                                                  lado a lado, palma com palma.
Navegam transeuntes lá fora, e voltamos a esquecer-nos do dia, porque podemos.
Termo-nos, sós, em condições pares de colchões e almofadas espalhadas por entre a rouquidão característica dos amantes.

Ambos correm contra o relógio, avançando devagar por entre as ondas do tempo, qual dos pares ganha:
O dos ponteiros
ou o dos apaixonados, prazenteiros humanos que devagar se esquecem de que o são, na rapidez do amar.

Com fome, desejo e loucura, amo assim
como nunca 
cada traço meu a pertencer a ti
e a ser cada vez mais meu.


sábado, 24 de maio de 2014

Quantos casulos mais,
borboleta desastrada
                                  rasgo, libertando pedaços de um ser, corroendo asas cor da lua.
Afastem-se de mim, qual ácido peçonhento que jorra vomitados muito próprios e leva tudo no seu caminho.
A agressividade da sobrevivência,
nova lei do mais forte
quão fraca
                                   perdida em devaneios de lagarta, que sonha com o céu cinzento e chuvoso do Inverno. Qual quê, os dias de calor, se apalpando as diferenças me dói cada vez mais o existir.

Quantos os devaneios que as vozes da minha mente transportam
diz-me, quem sou e porque sou incapaz de me afastar de tudo o que é real e viver em sonhos
                                                                                                 , desiludindo-me constantemente comigo.
Como conciliar um ser que não existe
com aquele que desejo ser.

Cortinas flutuam nos ventos.

Podia ser tão invisível como um espectro. 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Caderno de Pensamentos (4)

Por entre as luzes fortes, a ação à minha frente, escapam-se as pupilas, volto-me à procura de pedaços de ti, à minha beira.
Lado a lado, sinto como nuvem fofa de algodão as tuas mãos nas minhas. Faço questão de verificar se são reais, quem sabe devaneio da minha mente, adoecida pelo querer-te a cada momento

e refrear-me, impedir-me de te olhar como se, verdadeiramente, se formassem constelações no teu olhar.
Espreito-te, então, por entre pausas previamente estudadas, perco-me nas entrelinhas da tua face, nas expressões mais pequenas de ti
cada ligeiro movimento uma variação que faço questão de
decorar. Devagar
mas com a voracidade de quem
engole.

Assustador oxigénio macroscópico da minha sanidade.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Espetam-se os dedos de unhas recortadas na pele, tão macia
não era suposto sê-lo
                                                                                                                             que enoja profundamente, branco luminoso cor de pele, macilento como a face de quem dorme pouco, enevoada por demasiadas vidas que não existem, simplesmente forçando o seu caminho dentro
de mim
cada uma mais exigente do que a outra
Escreve

                                                                                 acordam o pulsar nas minhas veias,
sangue por todo o lado, esventro-me de forma a que saiam o mais rápido possível
Haja alguém que vos enrede! Farto-me das vossa vozes!
CALEM-SE!


Frio e calor tudo junto
miríade de sentimentos, que
não sinto, nada é meu.
Maravilhosa forma de despersonalizar o eu, fragmentando-me.
Cheira a betadine

 Memórias percorrem a parede, reflexos fugitivos no espelho, pelo canto do olho. Apanhada.
Passado aos uivos em mim.

E porque não?
E porquê agora?

Silencia-se o eu que não racionaliza, nuvens carregadas de chuva,

as palavras passam ao lado
até que volto.

"I fucking love you like hell!!"

Está tudo bem.
Chove cá dentro, mas não fora de mim. Escreve, é o que tens que fazer.

Calem-se as vozes desconhecidas que conheço tão bem.
Estou segura.
Já passou. Onda gigantesca, maré que me abocanha... já lá vai.
Trouxeste-me de volta. Delírios novos

apagando fogos antigos.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Por detrás de cortinas que balançam pela brisa do fim de tarde,

lá fora chove, embelezando o mundo como fazes comigo

resguardada num casulo feito de carne quente e respiração acelerada, por entre rasgões de unhas e dentes, num anseio de te ter só para mim, num instante
                                                                                                                 infinito
                                                                                                                                que dure para sempre.
Quantas vezes quis contar as estrelas sem as ver? E de que forma, ao olhar nos teus olhos, sei de cor cada constelação
Norte e Sul, misturados apenas num céu
                           que se passeia no silêncio de nós.
Murmúrios parvos, em sorrisos há muito esquecidos
                                                                                                             felicidade de ser eu contigo.
Suspiro, sã e salva, afogando-me aos pedaços sem me importar de submergir,
                                                                                                                                                             respiro em ti, debaixo de água.
                                                                                                                                                                peixe dentro de água.
A noite chega, cai sobre mim na outra ponta do mundo - ou assim parece. Onde apenas o cheiro de ti em mim e as memórias de mim contigo servem para adormecer sozinha
cobertores desarranjados, relembrem-me

dele
                                                                                                                                              por entre as luzes detrás das minhas pálpebras e a ansiedade de estar de novo,
                                                                                     "três metros acima do céu", contigo.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Saram-me as feridas de sorrisos negros, escondidos por entre vermelhos e cores de infeção. Chovo de mim tudo o que de mal carrego.
Gata Branca, de patas de almofada, em ti pouso a minha cabeça de nuvem negra, ligeiramente mais clara, com toda a falta que me fazias, assim longe de mim sendo eu tu, e tu um pedaço construtor de mim. Voltaste, nas asas de uma borboleta, a nenhuma de nós desconhecida; asas de uma beleza de cortar

a respiração; pausa na tristeza que nos invade a ambas desde
                                                                                                                                 sabe-se lá quando.

Ergo os olhos, durante a noite,  talvez como joaninha vampira, de asas pequeninas em corpo gigante, sede insaciável de ti, príncipe das minhas trevas, sol do dia,
Empurra suavemente as nuvens em mim

                                                                                      pois brilhas
novamente as tuas palavras me arrancam ao torpor de ser eu
                                                                                       bem acima de todos, dentro de um cantinho só teu, feito de espelhos e escadarias, cada qual mais belo do que (costumavam... são estas as visões de enamorada?) vi alguma vez. E bem que abro os olhos, mas encadeia-me o teu brilho.

"You're the one for me, you know that, right?"
Como te explico os vícios nas tuas palavras, o observar distante sempre em direção ao norte... ao meu, não da bússola, invejosa

que arranje o dela,
aponta-me caminhos que nunca foram os corretos
nunca me deu oportunidade de seguir em frente.

Batimentos acelerados diariamente. Todos eles em mim, e penso que
sou tão pequena, para sentimento tão grande. Que bom perder-me em ti, que és
tão maior que eu nesse teu coração gigante.

 Limpam-se crateras, abrem-se braços. Aprende-se a falar uma língua desconhecida, maioritariamente formada por trocas de olhares e o ato de deixar para trás tudo
só te sigo.

 Como explico a histeria do ser, num murmúrio calado que é alegria furiosa
                                                                                                                                                          furacão de estar contigo
dos teus braços?

Lua Nova seja eu, enquanto fores as estrelas da noite.

domingo, 16 de março de 2014

De cabeça encostada a almofadas que são minhas, ou que parecem pertencer-me na maioria das vezes, obrigo olhos teimosos a fechar e a refletir. É uma coisa engraçada, esta de esvaziar a mente, e pensar em nada mais do que naquilo que a pele sente.
Miríade de linhas desenhadas por toda a parte, algumas rápidas, outras lentas. Caminhos traçados por entre avenidas desconhecidas de sermos nós dois.


Baralha-me, assim no silêncio da noite, contaminado por música injetada diretamente nos tímpanos e por letras no ecrã,
mensagens no telemóvel;
imaginar que passam horas sem que me aperceba.

Cada dia parece a conta dos que faltam para os outros acabarem. O problema, é que assim tudo passa depressa. Não só os momentos desnecessários de sobreviver com falta de ar, de cabeça nas nuvens

ou ao pé de ti
enquanto que estou tão longe; como os segundos feitos tardes, que se evaporam entre sorrisos.
Respiração acelerada, porque há tão pouco de ti que posso absorver em quantidades mínimas de mim, que é preciso cada vez mais ferocidade carinhosa.

Olhos abertos.
Estive a sonhar. E falta pouco,

para mais um dia
é quase hora zero, meias noites de dias só vividos às metades
a sonhar contigo.

A luz branca acende. Nova mensagem.

"And I intend to keep you"
E eu quero manter-te, também. Por entre
doses de mim, só para
sorrisos teus.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Nem sempre é fácil, por exemplo quando se perde uma nota de música, mutilando o seu som. Parece que, por momentos, a escala fica incompleta.
Mas o que se passa é que as decisões tomadas foram as melhores. Não há medo, tristeza profunda em mim, apenas um ligeiro arranhão de culpa, que me diz que magoei sem necessidade, mas que se ficasse tudo se auto-destruiria.


Então, estou livre, como na realidade sempre estive, porque não havia corda que me prendesse ao chão. Faço parte das nuvens.

E, no entanto, como explicar que só veja nuvens no céu?
Escuridão da noite, em todo o lugar para onde vou,

                                                                                                         saltos de pedra em pedra, na esperança de descobrir um abrigo meio destruído pela Natureza,
tal e qual eu.

Campo de ervas altas, trevos - de três folhas, mas - como se de quatro, sortudos.
Antes, feriam-me a pele, feitos de memórias indesejadas.

Agora... Flores amarelas. Dás-me sorte
olha, constantemente.

Engraçado, mas de tarde também se observam estrelas no firmamento.


"Pois tu é que acho que às vezes não te vês bem"

Vou contar-te um segredo:

Vejo-me melhor quando te olho sem te aperceberes.

Shiu. Não contes a ninguém.

terça-feira, 4 de março de 2014

Devo dizer que não estava à espera, nada havia capaz de predizer que a escuridão lá fora seria, por uma vez, maior do que a que está dentro.

A chuva cai com toda a força, mas paralisa por instantes, apenas o tempo que leva a um guarda-chuva atravessar as ruas.
Nunca gostei tanto que chovesse.

Lá dentro, bem longe da realidade, há qualquer coisa empilhada nas mesas, no sofá, nas estantes. Algo desconhecido, mas que secretamente acalma pensamentos turbulentos e mãos que são quase sempre incapazes de estar quietas.
                                                       E que costumam estar geladas, de agitadas e nervosas. Hoje, estiveram quentes, calmas. É esse o efeito que tens em mim.

Cada momento em que volto a tocar com os pés no chão, essa realidade gelada e invernal deste meu pequeno espaço, dos meus cobertores, do meu suposto refúgio, lembro-me do teu. Não é que eles estejam bem assentes na terra, porque enquanto se corre pela floresta, como diz a música, sons penetrantes misturados com o psicadélico do verde e do rosa-roxo, corro para o nada e por lugar nenhum, a ouvir vozes, muitas. Nem todas boas.

Mas não faz mal, desde que esteja contigo.
Não há mais para onde ir, nenhum sítio para onde regressar se não este.


Entro sabe-se lá como que espécie de furacão que tudo consome. Por isso peço desculpa.
Não sair, no entanto, é a única coisa da qual tenho certeza.

Garanto.
Não escolho outro caminho, outra encruzilhada.
Não há mais por onde o fazer.

Acredita.

É, simplesmente, verdade.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Nostalgias

Mais uma vez debaixo das gotículas em ebulição de um chuveiro demasiado estreito para todas as reflexões, conversas entre mim e eu, Lua Nova e Nuvem Negra.
E quem dera que, em vez de todo o calor desprezível e viscoso, pudesse estar lá fora, baixo chuva, de forma a contar cada gotícula gelada em contacto com o meu corpo, de olhos fechados e lábios presos entre dentes.
Mas, enfim, rodopia à minha volta todo o tipo de castelos no ar, feitos do vapor que se escapa mesmo do centro do meu peito. A cabeça deita fumo,

os pulmões absorvem-no. 
                                                   rodeados por insaciáveis demónios de bruma
os meus
                                         eles todos. E eu, que sou a pior deles.
"A estagnação não é nada saudável. Mas também não podes deixar acumular demais."


Palavras que acabam por soar como algo estranhamente familiar, que ainda não tinha ouvido. Quão interessante é adivinhar o Gato Príncipe por detrás do rosto feito de palavras no ecrã.

Obrigada por rodopiares por aí.
Por certo sabes, porque sabe-se lá como pareces saber sempre, mas é bastante cansativo ser uma linha paralela. Sem cruzar mais nenhuma, 
                  sem sequer saber
onde estou
para onde vou.... se está alguém em algum local.

É quase tão bom  pensar que é mesmo uma espécie de magia que funciona melhor do que o que me ensinam que é lógico. Já faz anos em que não pensava assim. Sabes uma coisa?

É a isso que me agarro. A isso e, quer-me parecer, a tudo o que dissipe a nuvem fervente de pensamentos de lava líquida e avermelhada que escorrem por baixo do som sibilante do chuveiro.

Vou mergulhar um pouquinho numa nostalgia já perdida há bastante tempo, que recuperei hoje... Parece-me que as coisas se constroem de novo, muito devagarinho.
Será que os castelos de areia não se destroem sempre?

Se me disseres que é verdade... Acho que talvez tente acreditar.

Obrigada. 

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Perdi-me

O tique-tac incomodativo das solas dos sapatos, em perseguição da tua sombra de contornos indistintos nas pedras da rua, feitas do esterco dos dias e do brilho cor de cegueira branca do sol.
Durante muito tempo, calo-me. Considero que as palavras só chegam até certo ponto. Depois, é preciso ver com olhos de quem conhece, falar com os gestos de quem ama.
Depois, é preciso coragem para morder os lábios, para arrancar as peles dos dedos, para enervar as mãos que estão pousadas no colo, sem se falarem.


Para tirar um lenço da carteira.

Em que sentido, pergunto-me, caminhas? É de trás para a frente, ou de lado, como os caranguejos? E porque não posso eu ir pelo mato, correr por entre espigas de trigo, afastar com cuidado os espinhos das rosas no caminho? Porque não posso eu contornar silvas e levar-te comigo?

Algum motivo em especial pelo qual repetes sem cessar, como papagaio sem penas, de bico mortalmente afiado, esses vocábulos que te foram ensinados sabe-se lá por que tempo corrupto que não nos leva a lado nenhum?
Não sei que queres que te diga.

Dá-me uma lista. Diz-me o que queres que faça.

"Não quero que mudes. Mas...". Então e agora? Sento-me como boneca de porcelana e espero aqui, sem conforto, que descubras que as coisas não funcionam como queremos, e que o caos de sempre não é para ti?
E, secretamente, dá-me gosto ser boneco de madeira - porcelana não, os meus olhos não param, o meu coração ainda bate, embora pouco audível - para que me manuseies de vez em quando, quando eu própria não posso comigo, quando descoso uma costura já rota por outro tique e um tac... Esse do relógio.

Mas, bem cá dentro, entendo perfeitamente que não sei ser assim durante muito tempo. E, ainda mais lá no fundo, há claramente a distinção de que segrego podridão nas minhas falas. Que o meu tom de voz é lâmina afiada, do género daquelas que me acariciam em sonhos com suores frios de uma aurora longínqua e já ao virar da esquina.

Perdi-me.
Ao procurar por ti.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Sonhos Vermelhos

Corpo coberto de nódoas negras, desenhadas por entre tinta da china e lápis de cera, cada qual com o melhor tom de preto, verde amarelado cor de vómito, rosada cor de pele quase sarada.
Escorrem veios de tinta negra avermelhada, também denominada corrente sanguínea.

Esquisito como a dor, às vezes, é tão boa.


Respiração aliviada, de quem pensava sufocar na hemorragia cerebral de um acumular de sentimentos, de uma distância a tudo e a todos que parecem pairar apenas nas ruas aqui ao pé de casa.
Casa?
Como saber se é realmente aqui que estou?

De cabeça perdida no firmamento, com estrelas de sangue a reluzir por detrás das pálpebras de um olhar cansado, transmissor daquela doença tão frequente de não saber de que época somos, e se existimos mesmo.


A comida retém o sabor - aquele que sempre teve - e a água mantém-se inodora...
Só o sangue que corre exprime existência, afirma vida... Ou talvez não, sabe-se lá...

Provo-o, sugando de mim o meu néctar das profundezas, vindo de todo o eu, que corre com um certo descontrolo por todos os órgãos, mágoas de mim.

Ora, textura líquida e férreo sabor, como chocolate perverso da noite.

A garganta reclama, não sei se de fome se de inocência de não saber o que lhe dou a provar.

Canibalizo-me. Engulo pedaços do eu, que regurgito de novo e que voltam à superfície.
As pupilas dilatam, nervosas, pequenos faróis de um mundo impenetrável que é o meu.

Cabeça

                              cada qual tem a sua
em cada sítio distinto. 

Maravilhoso mundo, com o qual sonho noites
                                                                                dias
sem fim.

Acorda.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Coração

Tudo começa com o pulsar de um coração. Tudo começa, aliás, com a força da manivela que dá corda ao coração, que bombeia por vasos mirrados sangue fresco, envelhecido como quem o suporta dentro do corpo, sempre em constante mudança irreal, sofrendo transformação atrás de transformação só para se refazer
qual a dor que deve sentir
ao explodir para se transformar, só porque
sim.

"Nem sequer valeu a pena"
Alfinete de cabeça curta, que se insere por debaixo das cicatrizes de pele mal sarada.

"Parece que só piorou", como poderia, se sem dares à corda o coração não anda?
Lembra-te, tudo começa com ele, a bombear cada vez mais lentamente o sangue escuro e podre por entre os caminhos do corpo. Tudo arrefece.


"Agora estás a dizer que a culpa é minha?"

dos dedos escorre sangue negro, às golfadas. É impossível respirar.

"Nem sequer valeu a pena", o batimento interrompe-se aos soluços, por entres respiração ofegante de um órgão fugitivo, preso por entre costelas.
Quer dera que explodisse, para que pudesses saber o quão ferido está neste momento.

Não valer a pena é sujo. Não valer a pena é negro, buraco fundo, túnel sem luz, corredor assustador de onde nunca se sai. Rodopio de tempo entre os dedos e o sangue do corpo.


Engraçado. Não valer a pena parece-se muito com o ser. Pelo menos com a maneira com se é.
Para quê bombear o que está condenado a definhar sem ar, luz,

sangue
vísceras
entranhas
............... pequeno corpo desmembrado.
Ele (o coração, sabes?) morre um pouco mais lá dentro da sua jaula de costelas. Esqueleto branco. Sangue vermelho.
Alma negra como o céu.

Tudo acaba com um coração.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Desilusões primordiais

Debaixo do calor abrasador das gotículas de água do chuveiro, correm pedaços dela, ralo adentro.
Cabelo nos olhos, respiração suspensa, cabeça num torvelinho de pensamentos desconexos... mãos caídas ao lado do corpo, como num derradeiro gesto de derrota.
Confirma-se o que há muito tempo previa. Dos seus dedos, não sai magia. O seu coração nada mais é do que um órgão, do seu sangue não fluem palavras como tinta negra e espessa, cruzando-se com as paisagens dos seus sonhos.

Mãos... de nada servem se não para aquilo para que foram criadas.

Soluços abalam o calmo e tépido banho da noite, espasmos frios de mente insana, a implorar pelas palavras que lhe faltam.

Imagens de correntes pintalgadas de vermelho e branco entre as lágrimas na banheira. Mente vazia, de todos aqueles sonhos que se escondem nos cantos poeirentos da alma.

De que serve ser escritor se já não se escreve? De que serve ser escritor, coração de pena, alma de tinta, dedos de papiro; se não se capturam as frases enlouquecidas das personagens que sussurram aos ouvidos, e que fogem com risos de escárnio?

Retórica. Não serve de nada.
Escritor que não escreve, não pode passar pela vida sem a pôr em papel. Bênção ou maldição, quem escolhe?
Bênção... sim... mais paixão do que outra coisa. Daquelas loucas que nos amarram à cadeira.

A um autor, não basta estar vivo porque sim.
Viver é escrever, escrever é viver.
Por isso, autor que não escreve é como pedra congelada, que perdeu todo o brilho precioso.

Autor que não escreve, são olhos vazios de louco, preso num mundo que não é capaz de explicar.

Autor que não escreve, não vive.

Sempre no vazio... Perdida na escuridão.
Levanta os olhos postos no chão frio e branco, que cega todos os impuros;
... envolta nas maciças teias emaranhadas dela própria.
Olhos inchados, veias a pulsar, cada vez com menos força.
Desilusões primordiais. 

Autora que não escreve...


Não está viva.    

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

"O que seria de mim sem ti?"
As palavras ecoam na memória, atravessando aos poucos o fluxo da corrente sanguínea, atingindo em cheio o peito, bombeando com força por todo o corpo uma sensação de desmaio.

"Serias uma pessoa." - porque não lhe ocorre nada melhor para se afastar devagar do tom sincero que corrói cada pedaço de si.

Como posso eu segurar-te, se me perco no interior de mim, pergunta, em murmúrios escondidos.

Capitã de um navio à deriva, presa num estilhaço de mente que nunca está no mesmo sítio duas vezes. Como lhe quer, com desejo apaixonado, com a força de um furacão, com a ternura de uma carícia.

E como, por vezes, se perde nela mesma e acredita.

Porém, não se deixa enganar. Não há contos de fadas e, se houvesse, ele não seria o dela. Porque uma fugitiva, uma ave sem asas, uma escritora sem palavras... Nenhuma dessas se enquadra com o que ele lhe traz.
Segurança, calma nas noites e dias de tempestade. Uma palavra sempre sincera.

E, no entanto, ela é capaz de duvidar de si, dele. De todos os que a rodeiam. É capaz de se transformar, como borboleta feia, que era uma lagarta muito melhor, e percorrer os céus a espalhar pós de adormecer no seu mundo feito de preto e branco.

Para que, no fim, não reste nenhuma alma sem estar estilhaçada.
Incluindo a sua... E, não se sabe...
... mas provavelmente a dele também. 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Caderno de Pensamentos (3)

Carta para a Nuvem Negra:
Não sei se comece por dizer olá. Aliás, nem sei muito bem como te falar.
Tenho estado aqui a pensar, desde há algum tempo atrás, que falar contigo não é bem a mesma coisa que falar sozinha, mas também não é igual a falar comigo mesma.
Como explicar...

... Bem, a verdade é que devo escrever-te, e porquê já o sabes. Não negues que te encontras escondida bem fundo de mim, procurando oportunidades de me encheres de melancolia e nostalgia de nem eu sei bem o quê, introduzindo-te por entre as falhas do meus sonhos e pelo negro da paisagem lá fora, através da chama das velas quentes que perfumam o quarto.
Não negues que me chamas, de voz doce e atraente, a pensar em coisas que se calhar estavam melhor deixadas a apodrecer e a morrer num canto escuro e poeirento.

E, no entanto, depois de todo o combate, depois de toda a estupidez de desejar desfazer-me das minhas entranhas para que possas desaparecer envolta em fumos brancos e negros, tenho algo a dizer-te. Sim, a ti que controlaste muitas das minhas lágrimas, que as provocavas com cócegas que ainda doem e cheiram a restos putrefactos de mim.

Não te odeio.
Não desejo que te vás embora.
Entendo, finalmente, como se iluminada por dentro, quem és, e porque existes.

Sempre me debati acerca da forma de matar as lascivas criaturas demoníacas que julgava surgirem por entre as cortinas do eu, de como estrangular e sangrar criaturas que não morrem; de como enfrentar devaneios provocados por um relâmpago de clarividência numa noite escura, de gritos apertados na garganta e de lágrimas quentes na almofada.
Finalmente entendi, com um assomo de claridade no meio do frio e da escuridão da noite, que elas não morrem porque são parte de mim. Tu, Nuvem Negra de teu nome - nome esse que fui eu que to dei, de forma a fazer parecer que não sou eu que decido, refugiando-me num outrem que me "força" a fazer algo, só porque não quero admitir que, nos meus desejos mais escondidos, sou eu mesma que me forço - és eu. Não um pedaço que partiu e se modificou por entre faces de lua, mas uma cratera do meu ser.

Pediram-me que te identificasse e trouxesse à luz do dia quem és e de que forma atentas contra mim.
Mas não posso mentir-te, porque és parte de mim e, por muito que tente convencer-me, não consigo enganar-me.
Tu és eu. Eu sou tu. Cada uma face de lua, que governa no céu negro.
Apenas através de mim ajo. E tu és simplesmente uma metáfora minha. Isto porque é-me difícil entender a necessidade de demonstrar o meu eu.
Inventei-te, e agora de mim és parte, como o meu eu mais secreto.

Chiu... Não contes a ninguém.
Não me despeço, pois não vale a pena. Enquanto eu continuar eu, estarás sempre aí.
E, olha... É bom saber isso.
Finalmente aceito.

Lua Nova.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Som

Há qualquer coisa no vento gelado que passa através das frinchas da janela que chama um nome. Que nome é? Não se sabe, só escutando com muita atenção, de ouvidos bem abertos.
Pode ser uma serenata em Sol, ou simplesmente um fá sustenido, ressoando nos cânticos dos pássaros, na luz do luar lá fora, na janela, no reflexo do sol poente.
Sinto nas minhas entranhas algo que não sei bem explicar o que é, cada dia mais estranho o que me rodeia.
Não me sinto como se pertencesse apenas a um mundo. Cá dentro, há quinhentas formas de abordar o espaço físico em que me encontro, qual delas a mais louca, qual a mais sã. Sabe-se lá.

O que importa mesmo, são sentimentos divididos. Por exemplo, quem sou eu quando estou contigo, fá, e me sinto protegida. Quem sou eu quando me afasto de ti e largo as visões que me trazes todos os dias, com as tuas palavras?
Será que o buraco negro que é a minha alma me suga finalmente por dentro, vomitando cá para fora todas as feridas da mente e renegando uma cura só minha? Então devo agora magoar e ser magoada e escolher ou ser escolhida, e saber, efetivamente, onde me encontro e com que pé dou o primeiro passo?

Uma mão secreta aperta-me a garganta dia após dia, cada vez mais. A sua pressão aumenta como sombra violenta dos meus secretos e insondáveis pensamentos. Quem sou eu? Como vivo? Como falo, penso, ajo...

Como resisto às marcas deixadas em mim pelo tempo, através do aperto sedutor e forte das minhas próprias mãos nas minhas ancas, das marcas das minhas unhas no meu pescoço, das vozes que me falam todo o dia, que me modificam em cada cenário.

Quando dizem que viver é uma forma de arte, nem se apercebem sequer das diferenças das personagens, de que cada ação tem que ver diretamente com onde nos encontramos e com quem somos.

Mas quem sou, com quem estou... Nem eu sei bem ainda. Só posso desejar que nada se atravesse no meu caminho, porque sei que sou capaz de destruir qualquer coisa para não me magoar... para não magoar ninguém.
Ré, não sei que faça. Já te disse um dia que é tudo muito complicado. Pois bem, parece que, afinal, não sabia mesmo nada do assunto.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Devaneios em Fá e Sol

Sucumbo cada vez mais rápido aos desejos esquisitos do dia-a-dia, através de simples toques e conferências minhas.
Cada dia mais vazia, cada momento mais cheia, de incertezas que corroem e de dúvidas que alimentam o meu estado melancólico de quando as decisões não estavam nas minhas mãos e nem sequer sabia que decidir é poder.

Puxam-me as vozes da consciência, puxam-me os cordões do coração, às avessas comigo. Nem sei o que pensar, nem sei o que sentir, quantas vezes mais é requerido que escolha a quem ouvir, sem harmonizar comigo mesma os cânticos e os espasmos mentais que percorrem o meu corpo em adrenalina invisível?

Podias ficar.
Podias voltar.


Que faço, se não viver como diferente em cada local, um dia como Sol, outro dia como Fá, desesperada à procura de respostas e de descobrir se é vazio o que sinto ou apenas a necessidade patológica de atingir alguém no meu caminho de auto-destruição.

Não quero modificar por mim aquilo que funciona agora, que preenche os diversos vazios que tenho em mim, como boneco esburacado sem forro - mas nada mais sou, enfim, do que precisamente isso - porém talvez por não haver mudança em mim haja pensamentos disformes de quem eu sou. Do que eu sou.

Nada, sem ser uma confusão de cabelos vermelhos reluzentes, toques leves de dedos no teclado, olhos enfermos de observar o Inverno sem o ver, e coração parado de sentir na alma que nada sinto. Mas, Fá, como os teus olhos nos meus me levam a casa, constantemente.

Sol, como te vieste a transformar no algo com que eu não contava, que sempre complica embora tudo mantenha igual. Que sempre acrescenta embora retire sabe-se lá o quê.

Olhem, perco-me em devaneios estranhos sobre nem eu sei bem o quê, porque agora mesmo nada sinto, sem ser a cabeça à roda, projeções de exercícios que me assombraram de manhã e têm o poder de me manter insone. Imagens de vos magoar e me retirar para mim, porque não quero que nada mude, nem quero que nada acabe.
Acima de tudo, quero é mesmo encontrar-me, antes que algum pedaço partido de mim atinja quem me é próximo, como, de resto, já me é costume, antes mesmo de explodir.

Repouso silenciosamente, descomprimindo tudo o que sinto em papel - que não o é, de verdade - relembrando-me que, na verdade, basta que tudo permaneça como está - porque nenhum de nós está mal, não é verdade?

Boa noite, Fá, afirmo de coração quente.
Dorme, Sol, porque bem precisas, soletro, de sorriso daqueles a que já te habituei.

Boa noite.