quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Som

Há qualquer coisa no vento gelado que passa através das frinchas da janela que chama um nome. Que nome é? Não se sabe, só escutando com muita atenção, de ouvidos bem abertos.
Pode ser uma serenata em Sol, ou simplesmente um fá sustenido, ressoando nos cânticos dos pássaros, na luz do luar lá fora, na janela, no reflexo do sol poente.
Sinto nas minhas entranhas algo que não sei bem explicar o que é, cada dia mais estranho o que me rodeia.
Não me sinto como se pertencesse apenas a um mundo. Cá dentro, há quinhentas formas de abordar o espaço físico em que me encontro, qual delas a mais louca, qual a mais sã. Sabe-se lá.

O que importa mesmo, são sentimentos divididos. Por exemplo, quem sou eu quando estou contigo, fá, e me sinto protegida. Quem sou eu quando me afasto de ti e largo as visões que me trazes todos os dias, com as tuas palavras?
Será que o buraco negro que é a minha alma me suga finalmente por dentro, vomitando cá para fora todas as feridas da mente e renegando uma cura só minha? Então devo agora magoar e ser magoada e escolher ou ser escolhida, e saber, efetivamente, onde me encontro e com que pé dou o primeiro passo?

Uma mão secreta aperta-me a garganta dia após dia, cada vez mais. A sua pressão aumenta como sombra violenta dos meus secretos e insondáveis pensamentos. Quem sou eu? Como vivo? Como falo, penso, ajo...

Como resisto às marcas deixadas em mim pelo tempo, através do aperto sedutor e forte das minhas próprias mãos nas minhas ancas, das marcas das minhas unhas no meu pescoço, das vozes que me falam todo o dia, que me modificam em cada cenário.

Quando dizem que viver é uma forma de arte, nem se apercebem sequer das diferenças das personagens, de que cada ação tem que ver diretamente com onde nos encontramos e com quem somos.

Mas quem sou, com quem estou... Nem eu sei bem ainda. Só posso desejar que nada se atravesse no meu caminho, porque sei que sou capaz de destruir qualquer coisa para não me magoar... para não magoar ninguém.
Ré, não sei que faça. Já te disse um dia que é tudo muito complicado. Pois bem, parece que, afinal, não sabia mesmo nada do assunto.

2 comentários:

  1. o mais certo na vida é seguirmos o encalço da nossa própria melodia, assim que a distingas por entre as frinchas da janela. não tenhas pressa, o tempo encarregar-se-á de afinar esse som por ti

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  2. muito obrigada, adorei o teu comentário, especialmente este parte: «Paixão sem igual capaz de nos manter insones no meio do sono.»

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