segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Desapareço por entre lençóis que cheiram a um pedaço qualquer de não estar em casa, alma de viajante corrompida.


domingo, 4 de outubro de 2015

Excertos

Minutos para o anoitecer.
            Agigantava-se a maré de nevoeiro, que anunciava uma descida inesperada da temperatura.
            A porta vibrou, mal toquei à campainha. Ponderei há quanto tempo estaria parado ali atrás, de pé. À minha espera.
            A luz morta dos elevadores nunca me tinha parecido atraente. Sempre que lá ia, era a primeira coisa que me avisava que, talvez, devesse voltar para trás.
            A primeira noite em que visitara Charlie seria também a última em que punha os pés num elevador. O barulho das roldanas, o cheiro a mofo, a luz a piscar no teto.
O espelho baço, onde vi refletida a minha face. Rímel. Maquilhagem preta nos olhos, algo carregada.
            O que vi... Esse foi o aviso número dois.
Escadas.
            Ele já não me esperava por detrás da porta, como fizera no primeiro mês. Não precisei de me anunciar.
- Pizza?
            Há muitas formas de fazer perguntas. Ele costumava tentar alimentar-me para não ver a resposta nos meus olhos.
- Obrigada - não comi. Em vez disso, fiquei a observá-lo. Estava embriagado.
- Tu sabes... sabes que és única! Entendes-me, naquelas situações.
            Ia ser uma longa noite.
- Estás bêbado.
- Não! Há nitidez naquilo que digo, entendes-me?
- Sim.
            Fatia de pizza na mão. Boca repleta de migalhas.
- Vamos para a cama.
Que maneira crua de dizer a alguém que a quer amar.
- Não estás bem.
            Não era uma pergunta.
- Estou ótimo.
            Não era uma resposta.
Vou-me embora.
"Por favor. Fica."
            Quem nunca ouviu um apelo doloroso da alma, nunca saberá porque é que fica parado no mesmo sítio, quando o que realmente quer é ir embora.
Aviso número três.

            Fiquei.

domingo, 13 de setembro de 2015

Sou uma cicatriz.
Ela costumava dizê-lo, nas horas em que o vento soprava com mais força, pejado de restos de espigas e de relva da cor dos prados verdejantes.

Sou uma cicatriz.
Movia-se em corridas loucas como se depressa, cada vez mais depressa, fosse a única forma de escapar das garras do ar irrespirável, dos convites loucos da vida para rebolar e despedaçar a carne, por entre rasgões no vestido.

Num pequeno soluço de vitória, cobre-se o solo de pétalas douradas do Outono que chega, confiante de que dará azo ao Inverno dos meus sonhos, neves cintilantes e fora do pânico de desaparecer nos céus carregados de poluição.

Abandonados todos os seus pertences e navegando confiante por entre as ervas daninhas, carrega no peito o fardo intenso da partida há muito desejada.

E depois de ir


como volto para ti?

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Poesias desertas

Compreender não é o mesmo que saber porquê,
e deleito-me nesses mares vazios, de confrontos de espuma onde não existem ondas
ou o mesmo que sentir que há razão de ser para ser assim.

Esparramado o meu sangue pelas cobertas, invisível, sonhado como sempre.
Sonho com morte em noite esbranquiçada, pelas pregas das cortinas e entrelaçada na chiadeira da persiana, que se mantém fechada em revolta
dessa fachada minha onde só existem poesias de carne no peito da página

Devoro todas as palavras e compreendo que não funcione, embora funcionar seja de máquina, e não humano. Não expliquem as vozes o que sentem peitos, porque não sabem o que dizem.
Conveniências a mais e sensações a menos, explodem securas e pensamentos atrozes
odeio estar no ambíguo de mim mesma
que não revelam nada mais do que bocas que se devoram em pensamentos.

Retrocedem mãos que não se querem mas que conhecem o familiar delas mesmas.
É triste ou será só poético?


E poesia é uma vida no deserto.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Preciso de mais, mais, sempre mais, que não me dá vontade de viver. Corrompo-me desesperadamente a tentar ser eu, testando meios de me afundar num oceano de onde não há volta.
Negras são as águas que correm no meu pensamento, eclipsando o sol lá de fora. Negras são também as nuvens, as sombras, que vejo como se me seguissem incessantemente, quais deuses da má fortuna.

Vitaminas. Não. Não, não.
Preciso de viver, por entre a calamidade da escuridão, pintar os olhos de negras cores, veludos que desfaçam a tristeza e deixem apenas a raiva de não saber quem sou.


Quantas mil vezes pergunto se há forma de escapar de quem somos. Acho que a pergunta correta é quando é que finalmente descobrimos a nossa essência.

Chuvas de raios solares, e não é tudo o que preciso esfumar de mim a necessidade de fugir aos desafios, cortar o que me prende como se marioneta defeituosa.


O céu desaba em mim por se manter no sítio.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Cinco segundos

Quando tinha dezoito anos, a minha melhor amiga desapareceu. Foi um dia completamente normal, só que eu cansei-me de olhar para as estrelas.
Ela acenou-me, lá de longe, na outra ponta do mundo, e eu não notei.
Voltei-me por cinco segundos. Cinco segundos exatos.
Só.
Cinco.
E ela já lá não estava. Acenei para o infinito, sabes? Como se um voltar do pulso a trouxesse de volta. Estava a chover, lembro-me perfeitamente.
Quem diria que demorava tanto a abrir um guarda-chuva.
Esses cinco segundos? Conto-os para sempre.
E agora, já não me cansa olhar as estrelas. Agora perscruto-as, à procura da sombra dela.
Tem que ter uma sombra
Não é?

Alice parou de andar. Voltou-se para mim e sorriu, sorvendo o fumo do cigarro como se zangada com o mundo.

- Foda-se Sam, o que eu dava para ver uma das tuas sombras.

Porque, se calhar, dizia-me onde ela estava.
E eu podia olhá-la por mais cinco segundos.