sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

"O que seria de mim sem ti?"
As palavras ecoam na memória, atravessando aos poucos o fluxo da corrente sanguínea, atingindo em cheio o peito, bombeando com força por todo o corpo uma sensação de desmaio.

"Serias uma pessoa." - porque não lhe ocorre nada melhor para se afastar devagar do tom sincero que corrói cada pedaço de si.

Como posso eu segurar-te, se me perco no interior de mim, pergunta, em murmúrios escondidos.

Capitã de um navio à deriva, presa num estilhaço de mente que nunca está no mesmo sítio duas vezes. Como lhe quer, com desejo apaixonado, com a força de um furacão, com a ternura de uma carícia.

E como, por vezes, se perde nela mesma e acredita.

Porém, não se deixa enganar. Não há contos de fadas e, se houvesse, ele não seria o dela. Porque uma fugitiva, uma ave sem asas, uma escritora sem palavras... Nenhuma dessas se enquadra com o que ele lhe traz.
Segurança, calma nas noites e dias de tempestade. Uma palavra sempre sincera.

E, no entanto, ela é capaz de duvidar de si, dele. De todos os que a rodeiam. É capaz de se transformar, como borboleta feia, que era uma lagarta muito melhor, e percorrer os céus a espalhar pós de adormecer no seu mundo feito de preto e branco.

Para que, no fim, não reste nenhuma alma sem estar estilhaçada.
Incluindo a sua... E, não se sabe...
... mas provavelmente a dele também. 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Caderno de Pensamentos (3)

Carta para a Nuvem Negra:
Não sei se comece por dizer olá. Aliás, nem sei muito bem como te falar.
Tenho estado aqui a pensar, desde há algum tempo atrás, que falar contigo não é bem a mesma coisa que falar sozinha, mas também não é igual a falar comigo mesma.
Como explicar...

... Bem, a verdade é que devo escrever-te, e porquê já o sabes. Não negues que te encontras escondida bem fundo de mim, procurando oportunidades de me encheres de melancolia e nostalgia de nem eu sei bem o quê, introduzindo-te por entre as falhas do meus sonhos e pelo negro da paisagem lá fora, através da chama das velas quentes que perfumam o quarto.
Não negues que me chamas, de voz doce e atraente, a pensar em coisas que se calhar estavam melhor deixadas a apodrecer e a morrer num canto escuro e poeirento.

E, no entanto, depois de todo o combate, depois de toda a estupidez de desejar desfazer-me das minhas entranhas para que possas desaparecer envolta em fumos brancos e negros, tenho algo a dizer-te. Sim, a ti que controlaste muitas das minhas lágrimas, que as provocavas com cócegas que ainda doem e cheiram a restos putrefactos de mim.

Não te odeio.
Não desejo que te vás embora.
Entendo, finalmente, como se iluminada por dentro, quem és, e porque existes.

Sempre me debati acerca da forma de matar as lascivas criaturas demoníacas que julgava surgirem por entre as cortinas do eu, de como estrangular e sangrar criaturas que não morrem; de como enfrentar devaneios provocados por um relâmpago de clarividência numa noite escura, de gritos apertados na garganta e de lágrimas quentes na almofada.
Finalmente entendi, com um assomo de claridade no meio do frio e da escuridão da noite, que elas não morrem porque são parte de mim. Tu, Nuvem Negra de teu nome - nome esse que fui eu que to dei, de forma a fazer parecer que não sou eu que decido, refugiando-me num outrem que me "força" a fazer algo, só porque não quero admitir que, nos meus desejos mais escondidos, sou eu mesma que me forço - és eu. Não um pedaço que partiu e se modificou por entre faces de lua, mas uma cratera do meu ser.

Pediram-me que te identificasse e trouxesse à luz do dia quem és e de que forma atentas contra mim.
Mas não posso mentir-te, porque és parte de mim e, por muito que tente convencer-me, não consigo enganar-me.
Tu és eu. Eu sou tu. Cada uma face de lua, que governa no céu negro.
Apenas através de mim ajo. E tu és simplesmente uma metáfora minha. Isto porque é-me difícil entender a necessidade de demonstrar o meu eu.
Inventei-te, e agora de mim és parte, como o meu eu mais secreto.

Chiu... Não contes a ninguém.
Não me despeço, pois não vale a pena. Enquanto eu continuar eu, estarás sempre aí.
E, olha... É bom saber isso.
Finalmente aceito.

Lua Nova.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Som

Há qualquer coisa no vento gelado que passa através das frinchas da janela que chama um nome. Que nome é? Não se sabe, só escutando com muita atenção, de ouvidos bem abertos.
Pode ser uma serenata em Sol, ou simplesmente um fá sustenido, ressoando nos cânticos dos pássaros, na luz do luar lá fora, na janela, no reflexo do sol poente.
Sinto nas minhas entranhas algo que não sei bem explicar o que é, cada dia mais estranho o que me rodeia.
Não me sinto como se pertencesse apenas a um mundo. Cá dentro, há quinhentas formas de abordar o espaço físico em que me encontro, qual delas a mais louca, qual a mais sã. Sabe-se lá.

O que importa mesmo, são sentimentos divididos. Por exemplo, quem sou eu quando estou contigo, fá, e me sinto protegida. Quem sou eu quando me afasto de ti e largo as visões que me trazes todos os dias, com as tuas palavras?
Será que o buraco negro que é a minha alma me suga finalmente por dentro, vomitando cá para fora todas as feridas da mente e renegando uma cura só minha? Então devo agora magoar e ser magoada e escolher ou ser escolhida, e saber, efetivamente, onde me encontro e com que pé dou o primeiro passo?

Uma mão secreta aperta-me a garganta dia após dia, cada vez mais. A sua pressão aumenta como sombra violenta dos meus secretos e insondáveis pensamentos. Quem sou eu? Como vivo? Como falo, penso, ajo...

Como resisto às marcas deixadas em mim pelo tempo, através do aperto sedutor e forte das minhas próprias mãos nas minhas ancas, das marcas das minhas unhas no meu pescoço, das vozes que me falam todo o dia, que me modificam em cada cenário.

Quando dizem que viver é uma forma de arte, nem se apercebem sequer das diferenças das personagens, de que cada ação tem que ver diretamente com onde nos encontramos e com quem somos.

Mas quem sou, com quem estou... Nem eu sei bem ainda. Só posso desejar que nada se atravesse no meu caminho, porque sei que sou capaz de destruir qualquer coisa para não me magoar... para não magoar ninguém.
Ré, não sei que faça. Já te disse um dia que é tudo muito complicado. Pois bem, parece que, afinal, não sabia mesmo nada do assunto.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Devaneios em Fá e Sol

Sucumbo cada vez mais rápido aos desejos esquisitos do dia-a-dia, através de simples toques e conferências minhas.
Cada dia mais vazia, cada momento mais cheia, de incertezas que corroem e de dúvidas que alimentam o meu estado melancólico de quando as decisões não estavam nas minhas mãos e nem sequer sabia que decidir é poder.

Puxam-me as vozes da consciência, puxam-me os cordões do coração, às avessas comigo. Nem sei o que pensar, nem sei o que sentir, quantas vezes mais é requerido que escolha a quem ouvir, sem harmonizar comigo mesma os cânticos e os espasmos mentais que percorrem o meu corpo em adrenalina invisível?

Podias ficar.
Podias voltar.


Que faço, se não viver como diferente em cada local, um dia como Sol, outro dia como Fá, desesperada à procura de respostas e de descobrir se é vazio o que sinto ou apenas a necessidade patológica de atingir alguém no meu caminho de auto-destruição.

Não quero modificar por mim aquilo que funciona agora, que preenche os diversos vazios que tenho em mim, como boneco esburacado sem forro - mas nada mais sou, enfim, do que precisamente isso - porém talvez por não haver mudança em mim haja pensamentos disformes de quem eu sou. Do que eu sou.

Nada, sem ser uma confusão de cabelos vermelhos reluzentes, toques leves de dedos no teclado, olhos enfermos de observar o Inverno sem o ver, e coração parado de sentir na alma que nada sinto. Mas, Fá, como os teus olhos nos meus me levam a casa, constantemente.

Sol, como te vieste a transformar no algo com que eu não contava, que sempre complica embora tudo mantenha igual. Que sempre acrescenta embora retire sabe-se lá o quê.

Olhem, perco-me em devaneios estranhos sobre nem eu sei bem o quê, porque agora mesmo nada sinto, sem ser a cabeça à roda, projeções de exercícios que me assombraram de manhã e têm o poder de me manter insone. Imagens de vos magoar e me retirar para mim, porque não quero que nada mude, nem quero que nada acabe.
Acima de tudo, quero é mesmo encontrar-me, antes que algum pedaço partido de mim atinja quem me é próximo, como, de resto, já me é costume, antes mesmo de explodir.

Repouso silenciosamente, descomprimindo tudo o que sinto em papel - que não o é, de verdade - relembrando-me que, na verdade, basta que tudo permaneça como está - porque nenhum de nós está mal, não é verdade?

Boa noite, Fá, afirmo de coração quente.
Dorme, Sol, porque bem precisas, soletro, de sorriso daqueles a que já te habituei.

Boa noite.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Tic-tac

Imaginando os passeios interrompidos, cravejados de buracos que pisa em silêncio, enterrando-se cada vez mais fundo num poço digno do seu nome.
Removem a escada sem conversas paralelas, obrigando-a a descortinar através da luz suave e ressequida que vem das frinchas das persianas, onde se encontra.
Desconhece tudo o que a rodeia, como se parte de outro mundo, do género daqueles que se encontram ao virar da esquina da mente.
Escorre-lhe o tempo lá dentro, demora-se o peito a encher e a descer. Cá fora, enchem-se de suspiros os olhos, que só não falam porque não lhes é dada voz.
Engolem-se restos espezinhados de sonhos que ainda dão vida, e pergunta-se o porquê de tudo continuar na mesma e todos nos ressentirmos.

Só não sou gaivota neste mundo, porque é desagradável defecar na cabeça dos sujeitos que atravessam a rua nas suas pressas diárias.

Foi isto que concluiu da conversa, porque pontos de vista entrelaçam-se com os seus e não sabe se o que diz é acertado ou apenas uma montanha de porcaria viscosa que lhe sai da boca através dos dedos.

Qual criatura impaciente, treme, imaginando que erro cometeu desta vez, que leva a que pare a vibração indefinida. Não se consegue concentrar, o mundo pára, devagar, e tudo silencia.


Enlouquece, cabeça às voltas e voltas na escuridão, só o ecrã aceso do portátil pousado na madeira irradia uma luz febril e indesejada.
Os apontamentos caem-lhe das mãos, por entre veias fracas e artérias rotas do veneno que lhe atravessa o corpo. Aquele veneno apaixonante da nostalgia melancólica que a invade, como se algo tomasse conta dela.

Não é Lua Nova, nem Nuvem Negra.

Hoje, nem ela mesma é quem escreve, porque sente os dedos muito longe da mente, e ainda mais longe do coração, enregelados de dor e frios da alma congelada.

Hoje, ela não é ninguém.

Tic-tac.
Hoje despeço-me.

O mundo volta a girar. Está tudo com sempre esteve. E ela também.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Constituída por pólos negativos e positivos, que se atrapalham, cada um por cima do outro como se não se conhecessem de todo. A Lua Nova...

E a Nuvem Negra.

Pedaços de mim que desejam esventrar-me, ao mesmo tempo que me concentro no meu futuro, que parece demasiado perto e do qual tenho um medo profundo. Pior do que isso sou eu. Eu, brilhante e eu escura, pouco polida, ensanguentada por mim mesma.

A Nuvem Negra apodera-se de mim, deixando para trás a Lua Nova. Despeço-me do fundo do meu ser de tudo aquilo que me acalma, dando razão aos pensamentos excêntricos do eu escuro que me percorre. De unhas presas na pele das minhas costas, desfaço a cicatriz do casulo que me prende por dentro para fora.

Asfixio o pensamento. Afogo-me no meu ser.

Está na hora de estudar. Pego nos livros, apago a escuridão. Acendo a luz que de mim não faz parte.
Sou Lua Nova, sim. Consumida pela escuridão.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Lua Nova

Lua Nova, quem? Eu?
Duplos de mim navegam na noite, cada um acende as estrelas à volta.
Acendem-se os candeeiros lá fora, gastam-se as nuvens do dia, ergo-me novamente, construída de escuridão e leves pinceladas de eclipses violentos.
Em mim, há duas que são eu: uma é a Lua Nova, outra é a Nuvem Negra.
Arrependo-me já desta novidade que me torna pretenciosa, pois é como se dissesse que sou um astro admirado com o mundo. Nada disso é verdade (pouco mais sou do que uma cabeça na lua, vagueando incerta pela Terra), mas sou feita de negro.
Tal e qual sou, é assim a lua, quando se cobre de feridas e se esconde na noite, sem brilhar cá em baixo. Não quero dar nas vistas, e esqueço-me de que a maré do tempo recua e avança sem eu dar conta. Não sou capaz de controlar as marés do meu eu.

Depois, bem no coração desta minha lua, presa com um fio à Terra como balão de ar quente a enfraquecer e a apagar no mar, aloja-se a Nuvem Negra, companheira das horas de sono que ficam por dormir, dos dias que passam como se não passassem sequer. Dos episódios desleixados e apáticos de mim própria.


Mas, dessa, falo-vos depois. Hoje, sou Lua Nova, e mantenho-me com a mesma face. 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Entrada

Pela primeira vez, observei o fogo de artifício ao vivo e a cores. Foi uma explosão de sensações no meu pequeno mundo a preto e branco.
Nada me deslumbra mais, ou é mais capaz de arrancar certos desejos das profundezas do meu eu.
Quase escorrem lágrimas dos meus olhos, enquanto sinto o calor da presença da Dó e da sua outra metade, e da Gata Branca. Esta última abraça-me e, juntas, como parte que somos do mesmo ser único, observamos com expectativa o surgir do novo ano. Sinto que os seus desejos são escondidos, voam com o vento fresco das horas da madrugada deste primeiro dia.

Tal e qual os dela, os meus confundem-se na noite e na alvorada, acordados até às tantas da manhã, em silêncio dentro de mim e em conversa com estes três personagens. Uau.

E eu que ainda estava perdida em 2013... Que faço agora, abrindo caminho através de páginas novas de branco imaculado, que não se coadunam com os meus pretos, brancos sujos e cinzentos vividos antes do agora (ai, olha... como me perco este ano no início de algo que não sei experimentar)...


Ainda bem que não estive sozinha.